Imagens Presentes Musicas Textos Atividades Obrigada pela Visita!!

29 de julho de 2009

***** NÃO COPIAR O ARTIGO NA ÍNTEGRA, NEM PARTES DO MESMO, SEM DAR OS DEVIDOS CRÉDITOS. ARTIGO ESCRITO POR MIM E REGISTRADO EM CARTÓRIO. O NÃO CUMPRIMENTO DA REGRA IMPLICARÁ EM PROCESSO CRIMINAL DE CÓPIA SEM AUTORIZAÇÃO. OBRIGADA. Viviane Patrice******
"A ARTE EDUCAÇÃO E O DOENTE MENTAL "
Viviane Patrice Bertoncini[1]

RESUMO

Este trabalho aborda a Arte-Educação como processo de ressocialização de doentes mentais, beneficiando tanto o indivíduo que se encontra interno, como a família do mesmo e a comunidade em si. Relata historicamente as visões que a humanidade teve sobre a loucura, até que a mesma fosse considerada doença mental, relata algumas contribuições da arte-educação sobre o autoconhecimento e sobre o processo de aquisição do interesse pelo trabalho em grupo, cita o trabalho de especialistas em tratamento com doentes mentais na visão junguiana, traz comentários baseados em pesquisas bibliográficas a respeito da contribuição das Artes, no processo de ressocialização de cidadãos que necessitam de uma inclusão na sociedade. Para a coleta de informações foi utilizada uma revisão de literatura selecionada, na qual se observa que a Arte-Educação tem como função a melhora psico-sócio-emocional do doente mental, favorecendo a sua integração social. Nota-se que o professor/arte-educador deve assumir o papel de agente facilitador no processo da terapia e do despertar da arte, pois sua real função será de agente motivacional para que o doente mental consiga expressar seus sentimentos através da linguagem plástica. Pôde-se observar, por meio das literaturas, que o projeto de ressocialização através da arte vem sendo uma constante por vários médicos psiquiatras, terapeutas e demais especialistas da área, em doentes mentais ou internos que permaneceram por longo tempo afastado da sociedade, por acreditarem na mudança positiva que tal atividade opera no indivíduo.

Palavras-chave: Arte-educação, ressocialização, doente mental, esquizofrenias, arte-terapia.


INTRODUÇÃO

O presente estudo versará sobre a Arte Educação e os Doentes Mentais. Para avançar na questão da ressocialização do doente mental interno, faz-se necessário definir os tipos de doenças mentais, bem como conhecer suas características para que possam ser desenvolvidos trabalhos visando à ressocialização dos internos, ou, então, para que, na impossibilidade de recuperação total, possam ser desenvolvidos projetos que permitam o desenvolvimento de habilidades tanto como forma de terapia, quanto para o trabalho. Por outro lado, é necessário conhecer qual o melhor método para trabalhar a mente dessas pessoas, pois é sabido que a arte-educação aliada à arteterapia tem alcançado ótimos resultados como tratamento e ressocialização de doentes mentais, tanto em hospitais psiquiátricos como em Complexos Médicos Penais.
Como aspecto metodológico, o estudo pautar-se-á nas pesquisas em obras literárias e sites disponíveis, voltados ao tema proposto.
O trabalho será distribuído de forma a atingir os seus objetivos. No primeiro item serão abordados os aspectos da história da loucura situando as diferentes formas de visão e tratamento dados aos loucos, incluindo-se aqui o Hospício do Juqueri, entre outros.
O segundo item abordará a Arte Educação e a Arteterapia pautada nos estudos científicos de Carl Jung, a visão do inconsciente individual e inconsciente coletivo, bem como as experiências clínicas que tal estudioso desenvolveu, em trabalhar com o fazer artístico como atividade criativa e integradora da personalidade. Tais métodos serviram de base para Osório César que atuou no Hospital Psiquiátrico do Juqueri[2] e Nise da Silveira que desenvolveu o mesmo método no Rio de Janeiro, chegando inclusive a fundar uma instituição para atender os doentes mentais regressos, a fim de trabalhar melhor o psíquico dos mesmos, fortalecendo a auto-estima, o autoconhecimento e o interesse do trabalho em grupo.
Posteriormente trataremos da arte educação e o processo de ressocialização de cidadão que necessita de inclusão na sociedade, onde o ato de criar e o papel fundamental do espectador como elo entre o artista e o significado da obra. As artes são verdadeiros momentos de motivação individual e coletiva. Estudar a escultura, o desenho e a pintura, atrai a atenção de estudiosos do comportamento humano, principalmente quanto tais obras são elaboradas por pessoas com doenças ou transtornos mentais.
Objetiva-se no desenvolvimento deste estudo em fornecer informações relevantes para a confirmação da ressocialização através da arte para os doentes mentais.

ESTUDOS E DEFINIÇÕES SOBRE A LOUCURA
A loucura sempre foi temida pelo ser humano, embora seja tão antiga quanto o mesmo.
No início, o homem considerava que o louco era dominado por um espírito satânico: que se apropriava do seu corpo e da sua mente através da: POSSESSÃO DEMONÍACA PARCIAL, quando o diabo entrava no indivíduo, desordenando suas idéias, suas práticas e afetos; ou da POSSESSÃO DEMONÍACA TOTAL, quando o corpo possuído era lançado ao solo e sacudido (epilepsia). (CARVALHAL RIBAS, 1964, p. 64).
Dos tempos mais remotos até o século XVI, o tratamento dado aos loucos, não passaram de tentativas cruéis de os eliminarem da vista dos normais, enxotando-os para fora dos muros das cidades, até serem transportados em naus e desembarcá-los, à sorte de terras estranhas. Tal método ficou conhecido como Naus dos Loucos (FOUCAULT, 1978), pratica expressiva do impacto da normalidade versus loucura.
PALOMBA (2003) define loucura ou psicose quando o indivíduo perde, ou diminui o contato com a realidade, ou ainda pode-se dizer que é a incapacidade de prever a realidade. Ou seja, estas pessoas perdem as características normais passando a serem consideradas loucas por ter em si alterações de pensamento, os considerados delírios, ou criar uma nova realidade, como por exemplo: criar dupla personalidade, acreditando ser alguém conhecido pelo público, como Presidente da República ou mesmo alguém que já veio a falecer, acreditando ser Napoleão Bonaparte. Pode julgar ser o centro de tudo, um Deus, ou ainda acreditar em percepções como alucinações, auditivas e visuais, crendo terem visto ou ouvido, certas coisas que jamais vieram a existir.
Podemos colocar a loucura, de forma abreviada se usar de conceitos sobre a doença mental, ou seja, subdividir a “loucura” em diversos itens, como por exemplo: a Esquizofrenia, a Psicose, as Neuroses e ainda as causadas por dependência química, tais como o alcoolismo, a de substâncias psicoativas. Desta forma é importante caracterizá-las para a compreensão do que cada uma pode causar na personalidade do doente mental.
O termo psicose, no vocabulário psiquiátrico, refere-se a um distúrbio maciço do sentido da realidade. Estudos Psicodinâmicos mostraram que, tanto na criança, quando no adulto, o sentido da realidade é inseparável do conjunto da organização da personalidade.
Ressaltamos que, no adulto, só se emprega a palavra psicose seguida de um qualificativo: esquizofrênico, delirante, alucinatória, maníaca. (AUBIM, 1976, p.15).
LEBOVICI (1973) trata esse assunto da seguinte forma:
Pode-se, por exemplo, considerar a confusão entre animado e inanimado do autismo como estando ligado a uma ausência de envelope psíquico; a confusão entre Si - mesmo e outrem das psicoses de tipo esquizofrênico como sendo devida a uma violação dos limites entre espaços psíquicos do sujeito e espaço psíquico de outrem; pode-se considerar as psicoses distímicas como devidas a uma destruição dos limites entre si mesmo e objetos internos.

Então, torna-se imprescindível descobrir o que é cada uma dessas doenças, pode-se iniciar com a esquizofrenia, que nada mais é do que, um transtorno mental psicótico, mas para se chegar a essa definição, foram necessários estudos que, na verdade iniciam-se em 1911, quando foi criado o termo “esquizofrenia”. O precursor destas pesquisas foi Eugem Bleuler, psiquiatra que em 1908 introduziu este termo, partindo de dementia praecox, que reuniu as síndromes de catatonia, hebefrenia e paranóia, em apenas uma condição. Ele descreveu, o esquizofrênico como alguém que possui mais de um transtorno, e que tem alucinações, delírios e desorganização do pensamento, assim pode-se declarar contrário ao termo “demência”. Bleuler, ainda apoiou-se em uma associação de idéias, desejos e impulsos contraditórios, em uma perturbação do afeto e do autismo para caracterizar as ações esquizofrênicas.
KAPLAN (2003) crê que uma boa parcela da população é acometida desta doença, mesmo antes dos 25 anos e sem que haja distinção de classe social. Podendo diagnosticar tal preceito através de um exame do estado mental. Pode perceber ainda, que é raro o aparecimento de casos de esquizofrenia antes dos 10 anos de idade e após os 50, não há diferença entre sexo.
Podemos destacar que os estudos sobre a esquizofrenia, conceituaram-na de forma que a subdividisse em tipos conforme o diagnóstico e ao prognóstico.
Baseando-se nas classificações de BALLONE, as esquizofrenias podem ser as seguintes:
- Paranóide: Tipo de esquizofrenia com melhor prognóstico, por ser mais comum e de melhor resposta aos tratamentos. O paciente que se enquadra nessa condição, sofre do delírio de perseguição, achando que o mundo o persegue que todos estão contra ele e desejam-lhe o mal; tais pensamentos podem ser acompanhados de alucinações, visão de pessoas mortas, monstros, diabos ou elementos sobrenaturais. Muitas vezes as idéias religiosas ou políticas, o convencem de ser o salvador do mundo.
- Hebrefrência ou desorganizada: Os pacientes pertencentes a este grupo apresentam problemas de concentração, falta de coerência de pensamento, pobreza de raciocínio; podendo apresentar discurso infantilizado, fazendo comentários fora do contexto e saem com facilidade do tema da conversa. Não controlam suas emoções, podendo gargalhar em momentos de extrema tristeza, ou impróprios ou chorarem sem saber o porquê. Os delírios também são freqüentes.
- Catatônica: Tipo menos freqüente de esquizofrenia, tendo como características transtornos psicomotores e dificuldades na locomoção podendo também ser freqüente, a falta da fala. Caso permaneçam por longo tempo em crises, podem se pender ao álcool e ás drogas.
- Residual: Esquizofrenia instalada há muitos anos e com várias seqüelas, tais como isolamento social, comportamento excêntrico, emoções inapropriadas e pensamentos sem lógica.
- Simples: Tipo pouco freqüente, seu aparecimento é lento, geralmente iniciando na adolescência, com irregularidades emotivas. Vagarosamente vai se instalando o isolamento social, perde os amigos, as relações familiares tornam-se escassas, alteração de caráter, tornando-se totalmente anti-sociável, findando em depressão. Não são observáveis surtos agudos.


2. ARTE EDUCAÇÃO

No início do século XX, Sigmund Freud (1856-1939) se interessou pela arte e através de estudos concluiu que o inconsciente se manifesta através de imagens e que estas podem expressar maiores informações do que as palavras. Segundo FREUD, os artistas podem através de suas obras de arte, simbolizar conteúdos do psiquismo que estão presos no inconsciente, visto que as imagens escapam mais facilmente da censura da mente do que as palavras.
Ana Mae Barbosa (1984), grande pioneira da Arte-educação no Brasil, defende o ensino da arte nas escolas, com o objetivo de resgatar a qualidade do ensino e da aprendizagem dos adolescentes. A professora acredita que a arte-educação além de facilitar o trabalho em grupo, despertar o lado artístico e crítico, prepara o aluno para enfrentar melhor o mundo. Preocupada com a qualidade do ensino de Artes no Brasil, propõe ao Estado uma reforma curricular com conteúdos mais críticos e combativos, que denotem maior domínio teórico e com investigação histórica, visto ser impossível trabalhar a Arte, sem abordar o tempo histórico e relacioná-los ao contexto em que vivemos.
A abordagem mais atual de Arte-Educação no Brasil é a associada ao desenvolvimento cognitivo, sendo Rudolf Arnheim, o propulsor da idéia de Arte para o desenvolvimento da Cognição, baseando suas concepções na equivalência configuracional entre percepção e cognição.
Para ARNHEIM (Apud BARBOSA, 1975) “... perceber é conhecer”, afirma que a Arte requer julgamento, porém exige regras que necessitam ser conhecidas antes de afrontá-las. Tais regras podem ser entendidas como a gramática visual, fundamento básico às operações envolvidas na cognição como: percepção, recepção, interiorização de informação, atenção, memória, pensamento e finalmente, aprendizagem.

2.1 ARTETERAPIA NA VISÃO JUNGUIANA

Ao longo deste item abordar-se-á o tema arteterapia, pautados na visão de Carl Jung, cuja teoria parte do princípio de que todo indivíduo com seu curso natural de vida, em seus processos de autoconhecimento e de transformação são orientados pelos símbolos[3]·. Estes surgem do self [4], sendo a plenitude individual, o centro controlador da psique e à essência do sujeito. No decorrer de sua existência, o indivíduo através dos símbolos, vai reconhecendo e compreendendo o self, que deve ser respeitado. “O Símbolo configurado em materialidade, leva à compreensão, transformação, estruturação, e expansão de toda a personalidade do indivíduo que cria”. (PHILIPPINI, 2000).
Na abordagem junguiana, a arteterapia deve proporcionar diversos materiais expressivos, (no caso criações artísticas: esculturas, telas, desenhos diversos), significativos e adequados a fim de propiciar a expressão e a comunicação de símbolos da psique (como afetos, sonhos, emoções, sentimentos, conflitos, desejos) para o meio exterior, possibilitando reconstruções, reconhecimentos, resgates e transformações.
Foi Jung[5] o primeiro médico psiquiatra a utilizar-se da arte em consultório, pois considerava que, na arte, ocorria a simbolização do inconsciente individual e do coletivo. No início da década de 20, utilizou-se da linguagem expressiva como terapia e, para isso, solicitava aos pacientes, que fizessem desenhos livres, imagens de sonhos, de sentimentos, de situações da infância ou mesmo conflitantes[6]. Jung chegou a afirmar que a criatividade tem uma função psíquica natural e estruturante; e que a energia psíquica não se altera enquanto não se transforma. Defendeu também a idéia que tanto a atividade plástica, quanto a criatividade são funções psíquicas inatas e que contribuem com a evolução da personalidade e com a organização do pensamento. (JUNG, 2000)
Osório César, em São Paulo e Nise da Silveira, atuando no Rio de Janeiro, são os grandes representantes da arte educação no Brasil, ambos seguiram o pensamento de Freud e Jung, no que diz respeito a doentes mentais internos.
Através dos estudos dedicados e da analise das produções artísticas dos doentes mentais, Osório César concluiu que as obras de arte dos doentes tinham o cunho emocional, pois eram trabalhos espontâneos que satisfaziam as necessidades instintivas.

Os símbolos que os doentes usam para as suas produções artísticas pertencem à simbologia que Freud observa na interpretação dos sonhos. Assim, os órgãos genitais masculinos são, por exemplo, representados por bengalas, limas, serpentes, punhais, revólveres, torneiras, dirigíveis Zepelim, peixes etc. Os órgãos femininos têm sua representação em vasos, caixas, cofres, portas, frutos etc (CÉSAR, 1955, p.27)

Para CÉSAR, as manifestações artísticas nos doentes internos são baseadas na regressão da hereditariedade; ou seja, o homem manifestaria através da Arte, a origem e o desenvolvimento da espécie.

O homem primitivo é de índole profundamente supersticiosa. Todos os fenômenos da natureza que ele observa têm uma expressão de terror manifesto na sua mentalidade. Dessa maneira ele interpreta o trovão, o raio, as chuvas copiosas. Vem daí, talvez, a necessidade da criação do símbolo - origem da arte - para amenizar esse primeiro sofrer representando já o esboço de uma filosofia elementar da vida. E essa filosofia torna-se código de vida em certas comunidades primitivas atuais com os totens e tabus (CÉSAR, 1955, p. 128).

Nise da Silveira destacou-se na medicina psiquiátrica por se recusar a aplicar eletrochoques, induzir o coma insulínico e ministrar drogas aos doentes mentais; diante de tal ato, foi designada a atuar na área de Terapia Ocupacional do Hospital, onde na época a “Terapia ocupacional” consistia em dar atividades de limpeza aos internos; aqueles que respondiam bem aos tratamentos e que eram considerados ‘calmos’ ocupavam-se de atividades como varrer corredores, limpar sanitários, ou seja, desenvolviam um trabalho que o mantinham ocupado e que economizaria para os cofres dos manicômios. A Dra. Nise alterou o destino do tratamento psiquiátrico no Brasil, quando resolveu substituir o tratamento aplicado e as atividades destinadas aos doentes mentais, na década de 40, pela Terapia Ocupacional voltada à pintura e modelagem.
Para Dra. Nise, o essencial para se trabalhar com os doentes mentais internos é o carinho, pois os pacientes são seres humanos e devem ser tratados com muito afeto, para posteriormente ter acesso a suas necessidades, sentimentos e fraquezas. Esse foi o diferencial no tratamento adotado pela Dra. Nise aos doentes mentais, aqueles a qual a sociedade tratava com desprezo, preconceito, rispidez e que eram marginalizados como “Louco”.
Com as obras de seus pacientes, veio a fundar em 1952 o Museu de Imagens do Inconsciente e em 1956, contando com o apoio de pessoas que acreditavam no seu trabalho, fundou a Casa das Palmeiras, clínica destinada ao tratamento de doentes mentais egressos de Hospitais Psiquiátricos, cujas atividades artísticas eram utilizadas como tratamento e em regime de externato. O retorno dos doentes mentais às Instituições era uma freqüente, pois o preconceito dificultava a volta destes à sociedade, algo que afetava diretamente sua recuperação. Todo o trabalho destinado aos doentes tinha como ênfase a importância do contato afetivo e do incentivo a expressão criativa; a Casa das Palmeiras era e ainda é, a transição entre o hospital psiquiátrico e o mundo externo, preparando as pessoas ali atendidas para voltar à comunidade, no momento mais oportuno.
Algumas frases, expostas na Casa da Palmeira, definem bem o modo como pensava e trabalhava Nise da Silveira: “O que melhora no atendimento é o contato afetivo, de uma pessoa com outra. O que cura é a alegria, o que cura é a falta de preconceito”, ou ainda: “Acho um desaforo chamar alguém de paciente, doente mental ou louco. Eles são pessoas como as outras, são clientes. Chamo-os todos pelo nome”.
As obras desenvolvidas pelos pacientes eram passaportes para o conhecimento mais íntimo dos esquizofrênicos. No conceito da Dra. Nise, por fazerem parte do tratamento e conter expressões dos doentes internos, as obras não poderiam ser comercializadas, não haveria valor que pudesse pagar aquele testemunho e o estudo das aflições humanas.

Se fossem vendidas pinturas, esculturas e outros objetos, não existiria museu algum. Dá pra entender? Seriam dispersadas as formas reveladoras do interior da psique, isto é, o material que verdadeiramente interessa à psiquiatria (Silveira, 1951, aput GULLAR, 1996)
Nise interpretava as pinturas e esculturas de seus ‘clientes’, enxergando nelas aquilo que eles não exteriorizavam por via da comunicação lingüística. O desenho dá margem à liberdade. A censura é maior na linguagem verbal, seja ela falada ou escrita, que no desenho.
A Arte Terapia, de acordo com a definição da American Art Therapy Association (1991) apud Carvalho (2001), oportuniza o desenvolvimento das potencialidades pessoais por meios verbais e não-verbais, através da reequilibração dos recursos cognitivos, físicos e emocionais em atividades terapêuticas com variadas linguagens artísticas.
No Brasil, nas últimas duas décadas vem crescendo a aplicação da Arte Terapia como objeto de prevenção e tratamento de distúrbios psíquicos e emocionais, fazendo-se presente em diversas associações profissionais em todas as regiões do país.
O uso da arte como terapia implica que o processo criativo pode tanto reconciliar conflitos emocionais, como facilitar a auto-percepção e o desenvolvimento humano. As técnicas mais utilizadas são as artes plásticas (pintura, desenho, modelagem), as artes corporais (dança e teatro), a musicoterapia (com utilização de instrumentos musicais, voz/canto ou audição musical), as dramatizações (com fantoches e marionetes) e a escrita livre.
Segundo ALMEIDA SALES (1998), os benefícios que a Arte Terapia traz são reconhecidos, por exemplo: aumento da criatividade e senso estético, melhor integração consigo e com a realidade externa, aumento da auto-estima, desenvolvimento pessoal e estética da singularidade - restituidora do equilíbrio emocional.


2.2 A ARTETERAPIA, O AUTOCONHECIMENTO E O INTERESSE PELO TRABALHO EM GRUPO


A arteterapia oportuniza o autoconhecimento e uma nova prática. Através dela, a arte é utilizada como ponte para a manifestação, não verbal, da compreensão individual do mundo e das relações inerentes do mesmo.
Para LÚRIA (1980), todas as ações humanas estão ligadas as suas significações e, por sua vez, a significação está diretamente ligada a sua história, a qual foi registrada em seu sistema nervoso. Assim, todos os esquemas de ações se transformam em esquemas representativos e, depois operatórios.
Segundo Lowenfeld & Brittain (1977), o desenho reflete as emoções, os sentimentos, o intelecto, a percepção, a criatividade e a evolução social do indivíduo. Essa trajetória se integra por causa dos mecanismos aferentes (de fora para dentro) e eferentes (de dentro para fora) do sistema nervoso central.
A Arte pode levar a uma nova maneira de olhar o mundo, de como se relacionar e nele se incluir, que ela proporciona uma nova forma de contato com o mundo cultural, que pode ressignificar conceitos e maneiras de agir.
Através do autoconhecimento e da contemplação de sua obra, o paciente pode perceber, se conscientizar e melhorar o seu relacionamento consigo e com os que convivem; pois ao examinar sua produção e observar que está muito agressivo em sua obra, tem a possibilidade de se tornar mais sublime, tanto na arte como em sua vida. É sabido que em pessoas saudáveis tal reflexão pode ser feita por si mesma, porém em pessoas com problemas mentais, tal ato necessitará da intervenção do outro, quer seja o psicólogo, o terapeuta, ou quem estiver dando suporte psicológico e emocional para este indivíduo.
Para Eliezer[7], “O indivíduo adentra a sociedade pertencendo a um grupo. Para idosos, por exemplo, esse é um passaporte cultural que lhe confere identidade grupal. O mesmo ocorre com os oprimidos, com doentes mentais”.
Para sentir-se inserido num determinado grupo é necessário haver a aquisição da identidade social, que é determinada pela compreensão da posição que o indivíduo ocupa na comunidade,
MONTEIRO (In JESUÍNO,1996) conceitua indivíduo social como sendo “aquela parte do autoconceito do indivíduo que se deriva do reconhecimento de filiação a um (ou vários) grupo social, juntamente com o significado emocional e de valor ligado àquela filiação”.
Mudar a posição, de doente mental para artista, funciona como uma transposição para a integração social é ser (re) aceito numa sociedade que o discriminou, por diversos fatores, no caso em estudo, pelo fato de ser ‘doente mental’ e ‘interno’.


2.3 A RESSOCIALIZAÇÃO ATRAVÉS DA ARTE


Desde o início de seu desenvolvimento o indivíduo é um agente de auto-socialização, agindo e sendo influenciado de acordo com sua interação com o meio social em que está inserido (COSTA, 2000, p. 17).
Para Rocher, (in Lakatos, 1992, p. 217, apud COSTA, 2000, p.18), “a socialização é o processo pelo qual ao longo da vida a pessoa aprende e interioriza os elementos socioculturais do seu meio, integrando-os na estrutura de sua personalidade sob influência da experiência de agentes sociais significativos, adaptando-se ao ambiente social em que vive”.
O Inconsciente foi o tema de estudo de toda a vida de Jung, sem, no entanto, jamais perder o interesse pelas relações do homem com o mundo exterior. A respeito do ‘Inconsciente’ Jung escreveu:

“Assim definido, o inconsciente descreve um estado de coisas extremamente fluido: tudo o que sei, mas que no momento não estou pensando; tudo aquilo de que antes eu tinha consciência, mas de que agora me esqueci; tudo o que é percebido pelos meus sentidos, mas que não foi notado pela minha mente consciente; tudo aquilo que, involuntariamente e sem prestar a atenção, sinto, penso, recordo, quero e faço; todas as coisas futuras que estão tomando forma em mim e que em algum momento chegarão à consciência: tudo isto é o conteúdo do inconsciente.” Jung dizia também que “a consciência não se cria a si mesma; emana de profundezas desconhecidas”.

Sendo a Arte a materialização dos sentimentos em formas expressivas, ela constitui um meio de acesso às dimensões humanas ativas de simbolização conceitual. A arte educação busca proporcionar ao ser humano o seu encontro com o mundo, um primeiro olhar sobre as coisas, imprimindo-os em formas “táteis”, onde cada indivíduo é levado a conhecer melhor suas essências e sentimentos que escapam à linguagem “comum”.
Através das concepções de Vigotsky (1998), é possível compreender melhor o processo ensino aprendizagem, transferindo tais conceitos para a arte, pois ele trabalha com o ser humano histórico e cultural. Para o autor a vivência individual influencia o que a pessoa irá ser, e a partir de então, que desenvolverão suas funções mentais, tais como memória, história, atenção, percepção, fatos estes que influenciarão no ato de criar de cada um, pois cada interno teve a sua vivência e possui a sua doença mental, que se manifesta de forma diferenciada de individuo para indivíduo. Vigotsky era conivente com as idéias de Marx e Engels, considerando o homem como ser transformador da natureza e assim modificando a si mesmo.
Ao ver o ex-interno produzindo sua obra de arte, vendo o belo, tal conceito pode mudar, aquele “causador de problemas” passa a ser valorizado pela comunidade, como um ser criativo e produtivo, não representando mais o “medo” ou tendo a sensação de “desprezo” por tal ser humano.
Para RESENDE (2000), Franco da Rocha, foi o primeiro brasileiro a defender a prática do trabalho em hospício, em seu artigo “A questão do trabalho nos hospícios”, datado de 1889.
Estabelecendo-se dessa forma, o trabalho como um recurso terapêutico, conhecido como “tratamento moral” e posteriormente incluindo a arte-educação como processo de “preenchimento da mente” do doente mental.
Em Pinhais-PR, o Complexo Médico Penal do Paraná, desenvolve há anos um projeto de arte-educação aos doentes mentais internos, propiciando aos mesmos, atividades de reintegração social no âmbito da comunidade interna, que facilitam também o despertar do interesse social e da valorização da vida, de se (re) descobrir. Tal projeto vem beneficiando a ressocialização dos doentes mentais quando os mesmos voltam ao convívio da sociedade.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os dados obtidos neste trabalho de revisão de literatura levam a repensar de quanto tempo foi necessário para que a sociedade se mobilizasse com o Doente Mental que, por mais de mil anos, foi desprezado, ignorado, castigado, devido à ignorância das “leis” e da medicina, bem como da aceitação do homem pelo “diferente”.
Entre o aceitar a loucura como doença e dar um atendimento médico e clínico adequado, o tempo foi ainda maior e podemos dizer que ainda estamos engatinhando quanto à conduta correta de cuidarmos do doente mental.
Com a arte-educação é possível alterar o estado de espírito do cidadão e do grupo, quando revela o ponto comum entre os indivíduos. A arte-educação é uma atividade coletiva, que depende da motivação de todos, não se pode criar se não houver um ambiente propício, amparado por pessoas de “confiança”, por espontaneidade, comunicação (verbal ou não), “liberdade” de expressão.
Através de pesquisas em revistas médicas e educacionais, em livros específicos, em relatos de estudos de caso, tomamos ciência de que após ser considerado apto a voltar ao convívio social, o ex-interno ao ocupar sua mente com a arte, a ociosidade é preenchida, transformando-se em terapia ocupacional; a arte confeccionada com finalidade utilitária pode ser comercializada; sendo o sujeito valorizado pelos familiares, como criador que é; ser útil, não sendo mais visto como um “peso” ou “vergonha” para a família, ou “ameaça” à comunidade a qual pertence.
FISCHER (1981, p. 23) descreve: “a arte é o meio indispensável para essa união do indivíduo como o todo: reflete a infinita capacidade humana para a associação e para a circulação de experiências e idéias.”


REFERÊNCIAS

ALMEIDA SALES C. – O Gesto Inacabado - Ed. Fapesp, SP, 1998.

AUBIM, H. – As Psicoses das Crianças – Rio de Janeiro, Editora Zahar, 1976.

BALLONE, G. J. – Esquizofrenias – artigo atualizado em 27/01/2005 na página http://virtualpsy.locaweb.com.br/ ,acesso em 03.11.2008 as 21:21 h.

BLEULER, E. The prognosis of dementia praecox: the group of schizophrenias (Die prognose der dementia praecox: schizophreniegruppe. Algemeine Zeitschrift fur Psychiatrie 1908; 65:436-64). In: Shepperd JCM, editor. The clinical roots of the schizophrenia concept: translations of the seminal contributions on schizophrenia. Cambridge: Cambridge University Press; 1967, p. 59-74.

BARBOSA, A. M. Teoria e prática da Educação Artística. São Paulo: Editora Cultrix, 1975.

CARVALHAL RIBAS, J. - As Fronteiras da Demonologia e da Psiquiatria. - São Paulo: Edigraf,1964.

CARVALHO, M.R. - Terapia cognitivo-comportamental através da Arterapia - Revista de Psiquiatria Clínica, 2001. 28(6): 318-321.

CESAR, O. - A Expressão Artística nos Alienados - Boletim de Psicologia, São Paulo, ano VI, set./dez. 1954 e mar./jun. 1955, nº. 21-24, 1955, pp. 125-137.

COSTA, C. – Questões de Arte: A Natureza do belo, da percepção e do prazer estético – São Paulo: Moderna, 1999.

COSTA, R.X. – A Socialização do Portador de Deficiência Mental Através da Arte – Revista Integração, Ano 12, Edição Especial, 2000, p.16 a 19.

ELIEZER, J. - A ARTETERAPIA CHEGOU AO BRASIL, artigo publicado pela Revista de Psicologia CHATARSIS, s/d.

FEITOSA. C. - Explicando a Filosofia com Arte – Rio de Janeiro: Ediouro, 2004.

FISCHER, E. A Necessidade da Arte. 9ª ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1981

FOUCAULT, M. - História da Loucura –São Paulo: Perspectiva, 1978.

GULLAR, F. - Nise da Silveira: uma psiquiatra rebelde - Rio de Janeiro: Relume Dumará, 1996.

JESUÍNO, J. C. Estrutura e processo de grupo: Interações e fatores de eficácia. In: VALA, J.; MONTEIRO, M. B. (Org.). Psicologia social. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1996.

JUNG, C. - O homem e seus símbolos – Tradução de Maria Lúcia Pinho - Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2000.

KAPLAN, H. I., SADOCK, B. J., org. Trad. ABREU, J. O. de A., BATISTA D. Compêndio de psicoterapia de grupo. Porto Alegre: Artes Médicas, 2003.

LEBOVICI, S. – Sentimentos de Culpa na Criança e no Adulto – Goiânia: Editora Eldorado, 1973.

LOWENFELD, V.; BRITTAIN, W.L. - Desenvolvimento da capacidade criadora - São Paulo, Mestre-Jou, 1977

LURIA, A. R. - Conciencia y lenguaje - Madrid: Pablo del Río Editor,1980.

PALOMBA, G.A. - Tratado de Psiquiatria Forense, Civil e Penal. São Paulo: Atheneu Editora, 2003.

PHILIPPINI, A. - Cartografia da coragem: Rotas em arterapia - Rio de Janeiro: Pomar, 2000.

RESENDE, H. Política de saúde mental no Brasil: uma visão histórica. In: TUNDIS, S.A.; COSTA, N. R. (Org). Cidadania e Loucura: Políticas de saúde mental no Brasil. Petrópolis: Vozes, 2000. P. 15-74.

ROCHA, F. Hospício e colônias de Juquery. Vinte anos de assistência aos alienados. São Paulo: Typ. Brasil, 1912

SILVEIRA, N. da – JUNG, Vida e Obra – Rio de Janeiro: José Álvaro, Editor, 1968.

____________, - Imagens do inconsciente - Rio de Janeiro: Alhambra, 1981.

VYGOTSKY, L.S. - O Instrumento E O Símbolo No Desenvolvimento Da Criança -. In: A Formação Social Da Mente. São Paulo: Martins Fontes, 1989,
P. 21-33.

________________ O Desenvolvimento da Percepção E da Atenção-. In: A Formação Social



[1] Graduada em Pedagogia, Matemática e Biologia pela Faculdade SCELISUL-SP, Especialista em Magistério Superior, Administração Escolar, Psicopedagogia e Educação Especial pela faculdade FACINTER – PR e pós-graduanda em Psicomotricidade pelo Instituto Superior.
[2] O Hospital Psiquiátrico do Juqueri é uma das mais famosas colônias psiquiátricas do Brasil, localizada em Franco da Rocha, estado de São Paulo. Fundado em 1898 pelo psiquiatra paulista Franco da Rocha, o Asilo de Alienados do Juqueri passa a denominar-se Hospital e Colônias de Juqueri em 1929.

[3]Símbolo é “... uma linguagem universal infinitamente rica, capaz de exprimir por meio de imagens muitas coisas que trascedem das problemáticas específicas dos indivíduos.” (SILVEIRA, N. – JUNG, Vida e obra, 1968.p. 81.)
[4] de si mesmo.
[5] Carl Gustav Jung, psiquiatra suíço, considerado sucessor de Freud. Dentre todos os seus conceitos, a idéia de introversão e extroversão é a mais utilizada na psiquiatria. (Tipos Psicológicos - C.G.Jung - Zahar Editores - RJ – 1980)
[6] Lutas consciente e pessoal, que traz indecisão à pessoa que está com tal sentimento.
[7] Joya Eliezer (arteterapeuta é fundadora da Associação Brasileira dos Terapeutas da Arte),

4 comentários:

PROF. LENILDA disse...

Obrigada pelo carinho e pela visita. Quero que volte sempre!!!!

Vanessa disse...

Oi Viviane... muito obrigada pela visita e pelo selinho. Logo ele estará no meu blog.
Adorei todos os seu blog... O visual é lindo e o conteudo me interessou muito.
Volto com mais calma para ver tudo... Acabo de voltar de férias e estou um pouco desorganizada ainda.
Bom... apareça sempre!
Bjos

Luiza disse...

Ola Viviane, obrigada pela visita,vou levar seu selinho com muito carinho, amei este estudo, tenho um primo que se enquadra bem nesse tipo de loucura simples, nossa é mesmo que estar falando dele, a mente é um mistério, quem sabe eu consiga achar este tipo de arterapia pra ele, aceite meu award e premio excelencia que esta na sala presentes para voce, Deus te abençoe muitissimo, amei te conhecer, grande bj.no seu coração.
Luiza - http://amizadeseflores.zip.net

Anônimo disse...

Conheça seu coração
e analise seus mais puros sentimentes.
Olhe para cima ha um Deus que ti ama
e conta sempre contigo.
Assim como nós contamos com sua amizade
sem nada pedir em troca .Tem presente do Dia dos Pais p/ vc esperamos que goste.
Nosso carinho nesse final de semana ,As Unidas.
Querida béssimo trabalho vc desenvolve pena que poucos se dão conta do quebra cadeça de uma postagem nota mil.
www.unidas.pelo.amor.zip.net

 
©2010 Rachel Por Templates Rachel Melo